segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queirós


"Todo o jornal destila intolerância, como um alambique destila álcool, e cada manhã a multidão se envenena aos goles com esse veneno capcioso.”

Caros Amigos,
Com estas e outras hipérboles, a imagem de Fradique Mendes vai se tecendo como alguem de moral diferente, de pensamento e olhar a frente do seu tempo. Uma percepção ora árida ora exuberante sobre as relações, os valores e a sociedade. Vale à pena ler e enveredar nas armadilhas criadas por Eça de Queirós, nas palavras do Fradique Mendes.
Veja a seguir algumas pesquisas realizadas, mas leia toda a obra e dialogue com o autor, se indigne, se apaixone, ame ou odeie, mas leia.

O romance A correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queirós, aborda o contexto de Portugal.

Fradique é um verdadeiro heterônimo de Eça, sendo óbvias as semelhanças ideológicas com o seu criador, é um documento de própria trajetória existencial e psicológica de Eça.

Tal como descreve Eça, Fradique era um aventureiro, atormentado diante das injustiças sociais e da decadência da sociedade lusitana causada pelas constantes
transformações sociais, políticas e econômicas. Fradique foi um veemente crítico da sociedade lusitana, que não se deixou abater pela força das formas totalitárias, um incansável reconstrutor de um Portugal novo. Esse ser que Eça disse ter feito com pedaços de seus amigos é um ser plasmado com os anseios e ideais de uma geração de escritores que representava a vanguarda intelectual portuguesa do final do século XIX.

Era um grande homem, uma idealização de um conceito de humanidade cosmopolita, ainda que de raiz provinciana. Nasceu na Ilha Terceira, possivelmente por volta de 1867, tendo à data das cartas 33 anos. Por morte prematura dos pais, Fradique foi educado pela avô - D. Angelina Fradique, com a presença constante de um frade beneditino, de um coronel francês e um alemão que lhe fala de Kant. Aos 16 anos entra para a Universidade, sendo colega (virtual) de Antero e Eça. Em 1867 já era um homem viajado e experiente, um modelo para os demais intelectuais da Geração de 70. Fradique tem preocupações de ordem social e política.

Carácter enigmático e um pouco controverso, interessado e observador. Romântico pela primeira educação, orientalista, trotamundos, "touriste" da inteligência, «homem que passa, infinitamente curioso e atento», «superiormente apetrechado para triunfar na Arte e na Vida, ele constitui um juiz do mundo e da sociedade portuguesa. Um revolucionário, educado, robusto, culto, de bom gosto, mas também um desiludido, um pessimista.

Em rigor, Fradique Mendes pode ser considerado 3 personagens: a primeira é um heterônimo coletivo criado entre 1868 e 1869, por Jaime Batalha Reis, Antero de Quental e Eça, no tempo do Cenáculo de Lisboa. A segunda, surge episodicamente em O Mistério da Estrada de Sintra, em 1870, e finalmente a que Eça retoma individualmente com a publicação de Correspondência de Fradique Mendes, em 1888-1900.

Eça: "Este novo Fradique que eu relevo é diferente - verdadeiro grande homem, pensador original. Temperamento indicado às ações fortes, alma requintada e sensível".

Aristocrata rico, descendente de antigos navegadores, de uma "velha e rica família dos Açores". Estudara em Coimbra e em Paris. Acompanhou Garibaldi na conquista da duas Sicílias. Com 34 anos, fez parte do Estado-Maior de Napier, na campanha de Abissínia. Era "o português mais interessante do século XIX", com "curiosas parecências com Descartes". Mas faltava-lhe um objectivo definido na vida. Lia Sófocles, conhecedor de muitas línguas, entre as quais francês, alemão, inglês e até um pouco de árabe.

Expressão de uma incontida admiração pela figura do gentleman, personificação simbólica de uma elite intelectual que se opunha à vulgaridade e à chateza de um país em declínio, Eça, através de Fradique, tornou evidente também essa oposição pela sátira e pela critica: às liturgias que atravancavam e contrariavam o puro espírito com que as religiões se deveriam exprimir, à vacuidade de certos políticos do parlamento (carta ao Sr. Mollinet, onde retracta Pacheco), a um certo tipo de capitalistas (carta a Mme de Jouarre, onde retracta o Comendador Pinho) e ainda à classe eclesiástica portuguesa, inteiramente vinculada e dependente do estado, personificada genericamente no "horrendo" Padre Salgueiro - carta a Mme de Jouarre.

Fradique Mendes é uma personagem realista de Eça de Queirós que, descontente com a decadência de Portugal nas três últimas décadas do século XIX, saiu em incursão pelo mundo em busca não só do seu próprio reconhecimento como, também, da sua própria nação. Era, acima de tudo, um nacionalista que não suportava ver a sua pátria relegada a um limbo sem precedente. Diante de tal situação, Fradique voltou-se para o Portugal das grandes navegações com o objetivo de resgatar as raízes nacionais autênticas. Fradique, então, retomou o passado distante na expectativa de recuperar a verdadeira identidade portuguesa que outrora impulsionou outras civilizações a conquistar o mundo e a colonizar outras nações.

Fradique é a típica personagem representante de uma narrativa que rompe com a forma autoritária e fixa e, em vez disso, instaura-se a polifonia da narrativa contemporânea, que abre espaço a múltiplas vozes narradoras e – desafiando a estabilidade ilusória do romance realista – revela o sujeito textual como processo contraditório, lugar de contradição. É nesse espaço de contradição que Fradique dialoga com os grandes homens do seu tempo, onde várias vozes plenivalentes emergem acerca do mesmo problema. Através do diálogo que Fradique estabelece com os grandes homens do seu tempo, é possível saber, não só o que pensava Fradique, mas também o que pensavam todos os grandes homens do seu tempo sobre a crise pela qual passava Portugal. Fradique era um homem apegado à tradição de sua terra, sobretudo, à tradição desfigurada no decorrer do tempo.

Através de Fradique, Eça exprimiu também um amargo ceticismo perante angústias sociais para as quais não encontrou remédio.

Contexto histórico

É uma narrativa escrita nas últimas décadas do século XIX e abarca um conturbado momento histórico da sociedade portuguesa, sobretudo, no que se refere ao modelo liberal. A depressão que se instaurou no país causou a instabilidade e a rotatividade do poder. As contradições da monarquia constitucional começavam a se tornar evidentes para a nação. Esta situação acarretou transformações sociais, políticas e econômicas no país como a marginalização das camadas populares, o anticlericalismo como catalisador de descontentamento e de oposição às instituições vigentes, descrença nos governantes. Essas contradições terminam acentuando as diferenças de Portugal em relação aos demais países europeus. Portugal estava distante dos demais países da Europa.

Observa-se o esforço da personagem-narrador, Fradique Mendes, em firmar os valores de Portugal relacionados à cultura e aos costumes como valores sociais iguais enquanto nação que ocupa um espaço potencialmente privilegiado. As carências e as incertezas são decorrentes dessa contradição que, por sua vez, é o ponto central da obra A correspondência de Fradique Mendes. Elas acabam por acentuar as diferenças. Por conta disso, a consciência da marginalidade e da diferença constitui o principal foco de tensão, uma vez que acentua o sentimento de pessimismo4 no imaginário do povo, solapando a consciência de nacionalidade.

Um outro problema abordado na obra e que contribui, negativamente, para a consolidação da consciência nacional é a ausência de dirigentes com idéias originais e com aspirações voltadas para o povo. Tratam-se de questionamentos centrados nas motivações ideológicas que levaram a personagem-narrador a investir na desconstrução de mitos. Estamos, portanto, diante de textos dialéticos, nos quais a personagem-narrador revolve criticamente os problemas da realidade, vislumbrando através deles a razão de ser dos problemas do seu tempo. Desse modo, desvenda-se a situação contraditória.

Em A correspondência de Fradique Mendes, no espaço social de Portugal, a cultura e os fragmentos do passado permanecem vivos. A realidade do país, com seus costumes, suas normas, suas verdades essenciais é uma realidade carregada de episódios dramáticos, como se pode observar em carta de Fradique escrita a Madame de Jouarre.

Em meio à realidade rústica, os elementos próprios da terra são ressaltados, evidenciando o empenho de Fradique em deixar transparecer os valores firmados na cultura, na tradição, num realismo nacional. No plano da ficção, o rompimento dessa realidade banal se dá através da parodização da realidade histórica. O método dialógico é estabelecido através das estruturas ambivalentes. A ambigüidade se instaura pela associação metafórica. Dessa forma, rompe-se com as formas institucionalizadas e, em contrapartida, põe-se à mostra a luta pelos valores nacionais autênticos. A “densa treva” marca o obscurantismo daquela racionalidade, enquanto as “lanternas de faluas dormindo no rio”, os fragmentos da realidade nacional. Essas remetem, por associação, às antigas embarcações usadas para transportar mercadorias e pessoal. No entanto, já não existia mais o transporte de mercadorias e de pessoal, havia apenas por entre a densa treva “luzinhas remotas e vagas” remanescentes do Portugal antigo. Daí o fato de Fradique deixar entrever o ceticismo apreendido na história e o realiza, ocupando-se da ironia, do sarcasmo e do pessimismo.

A obra

A correspondência de Fradique Mendes compõe-se de duas partes distintas: uma narrativa e outra epistolar (cartas). A primeira parte, à guisa de “Notas e Memórias”, faz a apresentação biográfica de um suposto intelectual português Fradique Mendes.

Um narrador, que se presume ser Eça de Queirós, conta como, quando e onde conheceu “esse homem admirável”, com quem partilhou momentos de intimidade e por quem nutria a mais viva admiração. Mal se inicia o texto, atém-se o narrador à apreciação das LAPIDÁRIAS – cerca de cinco ou seis poesias, reunidas em folhetim, e sob esse título publicadas na Revolução de Setembro como da autoria de Fradique.

Segue-se um minucioso e completo relato sobre as LAPIDÁRIAS, com a introdução de duas personagens de apoio: J. Teixeira de Azevedo (Jaime Batalha Reis) e Marcos Vidigal, este, personagem ficcional, aquele, amigo e camarada de Eça desde a época do Cenáculo (1867). A essa altura do texto, sai de cena o narrador em primeira pessoa e entra outro narrador, agora em terceira pessoa onisciente, para contar a vida pregressa de Fradique. É com apoio no testemunho daquele último (Marcos Vidigal, que se confessa parente, patrício e parceiro de Fradique) que o narrador recompõe o passado do seu biografado. Finda a narrativa retrospectiva, é retomada em primeira pessoa a narrativa progressiva, dentro de um novo estatuto de narração em que se misturam os discursos indireto, direto e indireto livre, e assim até o final da primeira parte.

A segunda parte consta do epistolário (cartas) atribuído a Fradique, o qual se correspondia com vários amigos e eminentes intelectuais da época. Entre estes,
pessoas leais (como Antero de Quental, Oliveira Martins, etc.) e personagens fictícias. Como ensaiado na primeira parte, realidade e fantasia se alternam e
misturam, figurando o jogo entre o real e o irreal, jogo esse contido, pois, também na pretensa Correspondência.

São 16 cartas ao todo, coligidas sem qualquer critério aparente, com indicação apenas do lugar de procedência e do mês (“Londres, maio”, “Paris, dezembro”; etc.). Constituem “um conjunto de crônicas em forma epistolar”, na apreciação de Antônio J. Saraiva.1 Estas “cartas-crônicas” trazem o repertório das opiniões queirosianas acerca de arte, literatura, política, filosofia e religião. A propósito, afirma Feliciano Ramos que “na criação de A correspondência de Fradique Mendes, manifesta-se, não o paisagista ou crítico social, mas sim principalmente o ‘ensaísta’ com seu riquíssimo ideário”.

Efetivamente, nenhuma das cartas, nem mesmo as mais breves e despretensiosas (como a primeira, dirigida “Ao Visconde de A.-T”, recomendando-lhe o alfaiate Tomaz Cook) deixa de servir ao interesse maior de expressar uma opinião ou um gosto estético. No jogo que se estabelece entre a primeira e a segunda parte da obra, o leitor acaba por descobrir que o fingimento biográfico e o epistolar servem menos à fantasia do que à oportunidade de um debate sobre os diferentes temas aí versados. Entre estes, com destaque, o da criação literária.

Pela amostragem até aqui, pode-se verificar que o jogo ideológico se reflete na escrita, e deduz-se que Eça revela consciência do processo de construção desta sua obra, ao mesmo tempo que trabalha a linguagem com percepção de sua fragilidade como estabelecedora de sentido. A intenção metaliterária subjaz sob os aspectos meramente lúdicos, através dos quais Eça simula biografar “um grande homem”), documentando suas “Notas e Memórias” com depoimentos de amigos e uma coletânea de cartas atribuídas à excêntrica personagem biografada. Em conseqüência, A correspondência de Fradique Mendes se insere no conjunto daquelas obras em que Eça inscreve o legado de seu “testamento literário”.

Do exposto se deduz que A correspondência de Fradique Mendes não pode ser lida sem a percepção da malha irônica de que se entretecem as suas duas partes.

O próprio título já é irônico, tendo Eça hesitado entre (primeiro título) e Correspondência (título definitivo). Inicia-se, desse modo, a partir do título, a colocação do estatuto da palavra reversível e a perplexidade semântica como um pacto de jogo irônico.

A primeira parte contém várias incongruências (por ex.: o parentesco com Vidigal, o problema alfandegário com a múmia, etc.) que induzem o leitor à ironia, fazendo pensar que o autor não está falando sério, mas simulando um teatro de enganos. Além do mais, um intróito biográfico que já de início se põe a falar digressivamente de literatura (e as digressões literárias se repetem de tempo em tempo interferindo no andamento da narração) presta-se a informar o leitor de que Eça tenciona falar é de literatura, ou também de literatura. Em verdade o apresentador de Fradique simula biografar quando de fato intenta teorizar, e não apenas sobre arte, porém ainda sobre filosofia, política e religião.

O leitor mais atento, ou antes, interessado na problemática poética, com pouco percebe que o autor não só teoriza mas faz experimento, transformando sua narração em texto que se auto-exemplifica. Daí termos selecionado esse filete da metalinguagem de Eça para campo de nosso estudo e descobertas comparativas.

A correspondência de Fradique Mendes encerra um projeto metaliterário de singular importância para o entendimento do fenômeno da produção de textos e, mais significativo ainda, para a recepção da obra queirosiana, sobretudo a partir de Os Maias. As colocações e alusões contidas na primeira parte (à guisa de "Memórias e Notas”) mais a teorização literária, explícita e implícita nas Cartas de Fradique, produzidas já na maturidade de Eça, representam uma síntese expositiva e crítica das teorias vigentes, questionadas ou nascentes, a partir da segunda metade do Século XIX.

Fontes: Iara Regina Franco Rodrigues, Mestre em Letras (UFRGS) | Onofre de Freitas, Doutor em Letras: Estudos Literários (Área de concentração: Literatura Comparada) - UFMG.
 Site: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_correspondencia_de_fradique_mendes
http://manybooks.net/pages/queirozj2763727637-8/0.html

PARA COMPREENDER MELHOR O ESTILO METALINGUÍSTICO DE EÇA DE QUEIRÓS, VEJAMOS O SIGNIFICADO DESTA FIGURA:

Metalinguagem:


Metalinguístico: Função metalinguística é a função da linguagem pela qual o falante toma o código que utiliza como objeto de descrição, como como objeto do seu discurso, pelo menos num ponto de vista particular.
Meta Língua é uma lingua artificial que serve para descrever uma língua natural cujos termos são os da lí9ngua objeto de análise, mas que tem uma só acepção


Membros de frases como o que chamo X é Y, por exemplo, dependem da função metalinguística.(Metalinguístico)
Exemplo de Metalíngua:É por exemplo, a linguagem gramatical, de que serve o linguista para descrever o funcionamento da língua.
 http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=metalinguagem

Baixar aqui  A Correspondência do Fradique Mendes e outras obras.

Saudações Literárias

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