As Vítimas-Algozes - Quadros da escravidão, de Joaquim Manuel de MacedoO livro As Vítimas-Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo, foi escrito na  segunda metade do século XIX, em 1869, 19 anos antes da Abolição da Escravidão.  O livro pertence ao Romantismo, que foi uma escola literária de grande importância  para a história de nossa literatura.
A obra não agradou o público oitocentista e recebeu várias críticas publicadas na imprensa, sendo considerado por Ubiratan Machado como “o livro mais atacado pela crítica durante o período romântico”.
As Vítimas-Algozes é, ao seu modo, um romance abolicionista. Não daquele  abolicionismo que encontramos nas obras dos poetas acima relacionados. Como explica Macedo,  na nota “Aos Nossos Leitores”, não lhe interessou, nas “educativas” e “moralizantes”  histórias que entregava aos consumidores de sua vasta obra, pintar “o quadro do mal que  o senhor, ainda sem querer, faz ao escravo”, mas, sim, o “quadro do mal que o escravo faz  de assento propósito ou às vezes irrefletidamente ao senhor”. Dito de maneira mais direta,  o romance antiescravista de Macedo quer convencer os seus leitores de que é preciso libertar  os escravos não por razões humanitárias, mas porque os cativos, sempre imiscuídos nas  casas-grandes e sobrados, introduzem a corrupção física e moral no seio das famílias brancas.
Na obra o autor expressa a idéia de que a escravidão faz vítimas algozes e deve  ser gradualmente extinta, sem prejuízo para os grandes proprietários de terra.  Num tom conservador e usando personagens como a escrava Lucinda, o autor defende  a tese de que a escravidão cria vítimas oprimidas socialmente, mas com uma perversão  lógica, imoral e com influência corruptora.
O tratamento entre patrão e escravo nos últimos anos do cativeiro, uma intimidade  que beira o sado-masoquismo foi retratada por Joaquim Manuel de Macedo neste livro.  Ele denuncia que, se o escravo é inegavelmente vítima de um regime desumano, a  sua presença igualmente desagrega a sociedade branca no que ela teria de mais  recomendável. 
A obra é um retrato perfeito do Brasil pós-abolicionista.
De acordo com o contexto histórico da época, Joaquim Manuel alertava ao leitor    burguês de que o melhor a fazer era gradualmente abolir a escravidão. Depois    da abolição, ele explica que os negros foram 'largados' nas favelas, como acontece    no início do filme "Cidade de Deus".
Desfilam pelas páginas das três histórias que compõem o livro: o negro feiticeiro, o    “moleque” traiçoeiro, a escrava assassina, as negras que se amasiam com seus patrões,    a mucama lasciva, os negros desocupados dos botequins, os mulatos espertalhões, enfim,    um sem número de tipos que demonstram ao leitor o quão comprometedor da estabilidade    social era a presença do escravo na intimidade doméstica.
O objetivo político das três histórias que compõem o livro está claro desde a  nota inicial aos leitores. Professando narrar apenas “histórias verdadeiras”,  queria firmar, na “consciência” do público, “as verdades que vamos dizer”. Obra  de convencimento, portanto, As vítimas-algozes era tentativa de obrigar  os leitores a “encarar de face, a medir, a sondar em toda sua profundeza um mal  enorme que afeia, infecciona, avilta, deturpa e corrói a nossa sociedade, e a  que nossa sociedade ainda se apega semelhante a desgraçada mulher que, tomando  o hábito da prostituição, a ela se abandona com indecente desvario”. A retórica  é semelhante àquela dos conselheiros de Estado em 1867, e Macedo recita as estrofes  do isolamento internacional do país, do exemplo da guerra civil americana, do  processo de emancipação em Cuba, e do caráter “implacável” da reforma, “exigência  (...) da civilização e do século”. Afirma que a escravidão é “cancro social”,  que se não “estirpa (...) sem dor”; mas o “adiamento teimoso do problema” agravaria  o mal, pois o país poderia ter de enfrentar a “emancipação imediata e absoluta  dos escravos”, colocando “em convulsão o país, em desordem descomunal e em soçobro  a riqueza particular e pública, em miséria o povo, em bancarrota o Estado”. 
O cenário apocalíptico que Macedo antevê como decorrência de uma possível emancipação    imediata dos escravos revela já de início o que seria esta obra, a forma como    faz desfilar uma galeria medonha de escravos astuciosos, trapaceiros e devassos,    sempre dispostos a ludibriar os senhores e ameaçar os valores e o bem-estar    da família senhorial. Preocupado em não deixar nada por explicar, Macedo esclarece    que havia dois caminhos a seguir para mostrar aos leitores “a reprovação    profunda que deve inspirar a escravidão”. O primeiro consistiria em narrar as    misérias e os sofrimentos dos escravos, suas vidas “de amarguras sem termo”,    o “inferno perpétuo no mundo negro da escravidão”. Seria o quadro do mal que    o senhor faz ao escravo, “ainda sem querer”. O segundo caminho, aquele escolhido    por Macedo, mostraria “os vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes    instintos dos escravos, inimigo natural e rancoroso do seu senhor”. Seria o    quadro do mal que o escravo faz ao senhor, “de assentado propósito ou às vezes    involuntária e irrefletidamente”. 
1ª narrativa - "Simeão, o crioulo"
O protagonista, Simeão, perdera a mãe, que fora ama-de-leite da sinhazinha, aos dois anos,  tendo sido criado pelos patrões. Até os oito anos de idade Simeão teve prato à mesa e leito no  quarto de seus senhores, e não teve consciência de sua condição de escravo.
Tinha algumas regalias em função disso, mas não deixava de ter o estatuto e o tratamento de  escravo, fator que se agravava e se tornava mais claro conforme ele se fazia adulto.
Depois dos oito anos apenas foi privado da mesa e do quarto em comum; continuou, porém, a  receber tratamento de filho adotivo, mas criado com amor desmazelado e imprudente, e cresceu  enfim sem hábito de trabalho.
Devia ter 20 anos, crioulo de raça pura africana, cabelos penteados, vestido com asseio e  certa faceirice, era calçado e tinha vícios de linguagem.
Havia, no entanto, a expectativa de que seria alforriado quando o patrão morresse, o que não  acontece, tendo este, em seu testamento, transferido a alforria certa para o momento em  que a esposa falecesse.
Simeão, que já alimentava ódio contra os patrões, trama e realiza, juntamente com um  comparsa, o assassinato da família toda e o saque do ouro e da prata que guardava. O  quadro se reveste de maior crueldade porque os proprietários de Simeão se achavam, no  íntimo, protetores bem-intencionados do mesmo, tendo, inclusive, na véspera do crime,  decidido que iriam alforriá-lo imediatamente. Não eram, no entanto, capazes de questionar  o sistema que os privilegiava, em todos os sentidos, e desumanizava o outro pólo  (os escravos) da sociedade. Sistema que, Macedo diz com todas as letras, produz o  ódio e o crime, no que o romancista estava se apoiando em dados da sociedade real.
Sua personalidade era ingratidão perversa, indiferença selvagem, inimizade, raiva,   vícios, era vadio, dissimulado, ladrão, tinha instintos animais e era atrevido.
Seus senhores eram: Domingos Caetano, Angélica, Florinda e Hermano de Sales. Eram bons e  humanos, tinham delicadeza de sentimentos e sentimentos generosos. Honestos e trabalhadores.
O autor constrói um perfil aterrorizante para o escravo, misto de tigre e serpente, de vítima e  algoz, capaz de atacar quando menos se espera. Claramente procura amedrontar os brancos  senhores de escravos e sugere como solução o fim da escravidão. Solução que configura a tese  básica que passa pela conclusão de cada um dos três quadros da escravidão.
A novela não tem por final um desfecho romanesco, mas a reafirmação da tese do autor:
Simeão foi o mais ingrato e perverso dos homens.
Pois eu vos digo que Simeão, se não fosse escravo, poderia não ter sido nem ingrato, nem perverso.
A escravidão degrada, deprava, e torna o homem capaz dos mais medonhos crimes.
O narrador é didata: ele explicita a conduta, a forma de agir a ser adotada pelo leitor:  Se quereis matar Simeão, acabar com Simeão, matai a mãe do crime, acabai com a escravidão.
2ª narrativa - "Pai-Raiol"
O feiticeiro. Algumas considerações do autor: o feitiço, como sífilis, veio da Àfrica; o  escravo africano é o rei do feitiço.
Paulo Borges era um rico fazendeiro. Casara-se aos quarenta anos com Teresa, uma senhora ainda  jovem que já lhe dera 2 filhos.
A compra de 20 escravos, entre eles Pai Raiol e Esméria. É o ano fatal de Paulo Borges. Acontece o  adultério.
Os personagens são:
Paulo Borges - 46 anos. Alto, cabelos castanhos e crespos; fronte baixa sob sobrancelhas  bastas; olhos pretos e belos, nariz aquilino; boca rasgada, lábios grossos e eróticos; rosto oval  e bronzeado; seco de músculos; peitos largos e mãos engrandecidas e calejadas pelo trabalho. O tipo do lavrador honesto que hoje raramente se encontra, do pobre rico que se subtraia ao  mundo, e só queria conhecer a roça e a casa, os escravos e a família, trabalhando sempre,  gastando pouco, ajuntando muito, e não pesando a nenhum outro homem como ele. Não comprava homens,  comprava máquinas; queria braços e não corações; gabava-se de senhor severo e forte, entrava nos  seus timbres amansar os negros altanados e incorrigíveis.
Teresa - Jovem, simples de costumes, honesta, laboriosa, afeita à vida rural dos fazendeiros. Dirigia a dispensa, a enfermaria, e a grosseira rouparia dos escravos.
Os filhos Luís e Inês
Pai Raiol - Negro africano de 30 a 36 anos; baixa estatura, corpo exageradamente maior que as  pernas; cabeça grande; olhos vesgos, mas brilhantes e impossíveis de se resistir à fixidez do seu  olhar pela impressão incômoda do estrabismo duplo e por não sabermos que fruição de magnetismo  infernal. Nas faces cicatrizes vultuosas de sarjaduras recebidas na infância: um golpe de azorrague  partira pelo meio o lábio superior, e a fenda resultante deixara a descoberto dous dentes brancos,  alvejantes, pontudos dentes caninos que pareciam ostentar-se ameaçadores. Sua boca era  pois como  mal fechada por três lábios; dous superiores e completamente separados, e um inferior perfeito.  O rir era hediondo por semelhante deformidade. A barba retorcida e pobre, mal crescida no queixo,  como erva mesquinha em solo árido. Suas orelhas perdera o terço da concha na parte superior,  cortada irregularmente em violência de castigo ou furor de desordem. Tinha má reputação: desordem  com os parceiros, furtos, envenenamentos. Já tivera 4 senhores. O último morrera de ulcerações  no estômago e intestinos. Pai– Raiol acabara por dobrar-se humilde às condições da escravidão. Dizem que mudara devido aos seus felizes amores com a crioula Esméria, que com ele convivia e  o dominava.
Esméria - Era uma crioula de 20 anos com as rudes feições da sua raça abrandadas pela  influência da nova geração em mais suave clima; em seus olhos, porém, e no conjunto de seus  traços fisionômicos, havia certa expressão de inteligência e de humildade que agradou à senhora.  Esméria não era o que parecia. Refinara o fingimento. Via nos filhos de seus senhores futuros  e aborrecidos opressores, e beijava-lhes os pés que às vezes desejava morder. Luzia-lhe nos olhos  o amor da senhora, que a amava e distinguia, e lhe dispensava favores, e no fundo do coração  maldizia dela. Invejava-lhe os vestidos, os gozos, a condição. Em sua louca vaidade pretendia  ser mais bonita, mais bem feita, mais sedutora que Teresa. Era possessa do demônio da luxúria;  amava os amantes de sua raça, preferia-os a todos os outros, mas envergonhava-se deles. Aspirava  a fortuna do amor, da posse, da paixão delirante de um homem livre e rico. Ao contrário do que  se pensava não havia uma influência benéfica de Esméria sobre o Pai-Raiol e sim uma influência  satânica do Pai- Raiol sobre Esméria.
Tio Alberto
Lourença
O plano de Pai-Rayol: seis meses depois, os bois e as bestas morriam, e não havia peste:  tornaram-se evidentes os sinais de envenenamento.
Em uma noite de ventania, o fogo devorou o imenso canavial. Mais uma vez as bestas, os bois e  os carneiros morreram às dezenas, envenenados.
Paulo Borges amava Teresa, mas grosseiro escravo da sensualidade sucumbiu à sedução de Esméria.  O demônio da lascívia deu poder à crioula. O senhor, o velho senhor ficou escravo da sua  escrava.
O adultério hediondo faz da escrava rival da senhora, rival preferida que desordena a casa,  enluta a família, e é cratera aberta do vulcão que espalha a ruína.
Teresa descobre o adultério e a traição: envelhecera 20 anos em 8 dias.
Atropelando a decência, insultando manifestamente a esposa, semeando a indisciplina e a mais  perigosa desmoralização na fazenda, Paulo freqüentou de dia e aos olhos de todos, a senzala de  Esméria.
Morre Teresa envenenada por Esméria. Esméria assume a casa do amante. Morre o filho recém-nascido  de Teresa e Paulo, por falta do aleitamento materno; morrem Luís e Inês envenenados; Esméria  começa a envenenar Paulo.
Lourença denuncia Esméria e prova a verdade a Paulo. Pai-Raiol é morto em uma luta pelo tio  Alberto que é alforriado por Paulo. Esméria é presa. Paulo Borges arrasta sombria velhice  atormentado pelos remorsos.
3ª narrativa - "Lucinda - A mucama"
É o terceiro e último romance em As vítimas-algozes.
Os personagens são:
Lucinda - "Engomo, coso, penteio e sei fazer bonecas"; a mulher escrava, uma filha da mãe fera,  uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de  perversão lógica, de imoralidade congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro de  criaturas humanas, que se chama escravidão. Tem 12 anos, um pouco magra, de estatura regular,  ligeira de movimentos, afetada sem excesso condenável no andar. Muito viva e alegre com pretensões  a bom gosto no vestir; com aparências de compostura decente nos modos; diligente e satisfeita  no trabalho. Trazia dissimuladamente escondidos os conhecimentos e noviciados dos vícios e das  perversões da escravidão; corrupta, licenciosa, imoral; indigna de se aproximar de uma senhora  honesta, quanto mais de uma inocente menina. 
Plácido Rodrigues - padrinho de Cândida, o mais opulento fazendeiro e capitalista do lugar;  pai de Frederico. 
Frederico - perdeu a mãe ao nascer e foi amamentado por Leonídia. Inteligente e estudioso.  Reflexão fria e segurança de juízo. Foi juntamente com Liberato à Europa para fazer estudos  regulares de agricultura e pretendiam continuar os estudos nos Estados Unidos. Fronte magnífica,  a face porém descarnada, de ossos salientes, pálida, desproporcionada e melancólica, os  olhos ardentes. Dedicado aos amigos e na dedicação capaz de ir até a heroicidade. Muito racional. Era ele o planejado noivo de Cândida.
Cândida - loura, olhos azuis e belos, olhar de suavidade cativadora; rosto oval da cor da  magnólia com duas rosas a insinuarem-se nas faces; os lábios quase imperceptivelmente arqueados,  lindíssimos, os dentes iguais, de justa proporção e de esmalte puríssimo; as mãos e os pés de  perfeição e delicadeza maravilhosas; o pescoço e o corpo com a gentileza própria de sua idade. Cândida antes de Lucinda tinha 11 anos e com a perfeita inocência de sua primeira infância; espírito cheio de luz suave e idéias serenas e preciosas; eeu coração era um altar adornado  pelo amor de seus pais. Cândida de pois de Lucinda era capaz de ser ardilosa e dissimulada para  enganar a mãe; "prendeu a alma às palavras venenosas, às explicações necessariamente imorais  da escrava".
Florêncio da Silva - honrado, inteligente e rico negociante; um pouco agricultor por distração  e gosto: bom, afável e generoso, repartindo as sobras da riqueza que acumulava com os pobres  que não eram vadios; tinha poderosa e legítima influência eleitoral e política na sua comarca.
Leonídia - esposa modelo; mãe extremosa.
Liberato - irmão mais velho de Cândida; bonito de rosto e elegante de figura; fazia seus  estudos preparatórios na Corte; muito amigo de Frederico, inteligente e estudioso; possuía  brilhantismo de imaginação. 
Alfredo Souvanel - Amigo de Liberato e Frederico. Encontraram–se na Suíça. Tinha  26 anos, estatura regular, louro, de olhos cintilantes, era de aspecto agradável, bem talhado de corpo. Esmerava-se no trajar, embora não tivesse muitos recursos. Tinha instrução superficial,  mas inteligência fácil, espírito, e gênio alegre. Habilíssimo pianista e excelente voz de barítono. Era francês, mas esperava ganhar dinheiro no Brasil ensinando piano e canto. Era o mais alegrão,  travesso, original, espirituoso e endiabrado companheiro de folganças. Tornou-se professor de  Cândida.
A narrativa conta a história de Cândida, filha de honrado negociante e agricultor do interior  da província do Rio de Janeiro. Em seu aniversário de onze anos, a menina recebera  de presente do padrinho, Plácido Rodrigues, “o mais opulento fazendeiro e capitalista  do lugar”, uma escrava crioula chamada Lucinda, de doze anos, que havia sido enviada  à Corte para aprender a servir de mucama. A mucama logo conquistou a senhorinha  ao dizer que sabia fazer bonecas e penteá-las. O padrinho empenhara-se em conseguir  uma escrava que pudesse agradar a afilhada porque sabia que a menina andava triste  devido à recente partida de Joana, “uma boa senhora, mulher pobre, mas livre e  de sãos costumes, que fora sua ama de leite e a idolatrava como seus pais”. Joana,  que enviuvara ainda moça, encontrara segundo noivo num “laborioso e honrado lavrador”,  deixando por isso a sua adorada Cândida “com o maior pesar”.
Macedo oferece uma primeira ilustração de sua tese no romance ao contrastar    a virtuosíssima Joana com a mucama Lucinda. Joana é descrita como uma “segunda    mãe”, “criada amiga”, “companheira do seu quarto de dormir”, mulher “simples,    boa e religiosa”. Cândida perdera “a companhia da mulher que era nobre, porque    era livre” e que servia com o “coração cheio de amor generoso”, algo só possível    “quando a liberdade exclui toda imposição de deveres forçados por vontade absoluta    de senhor”. Em substituição, a menina recebera a crioula quase de sua idade,    “a mulher escrava, uma filha da mãe fera, uma vítima da opressão social, uma    onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de perversão lógica, de imoralidade    congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro desumanizador de    criaturas humanas, que se chama escravidão”. Diante desse quadro os acontecimentos    desenrolam-se naturalmente, sendo que o maior desafio é entender o porquê de Macedo    ter achado necessário escrever quase quatrocentas páginas para contar essa história.    A mucama tem uma influência nefasta sobre a donzela, de quem se torna a única confidente    nos anos seguintes. Ensina-lhe o que ocorre quando a menina vira moça, desperta-lhe a    curiosidade pelos rapazes, ministra-lhe lições de flerte e namoro, mostra-lhe ser    mais divertido namorar vários rapazes ao mesmo tempo, e assim por diante, num desfilar    constante de idéias destinadas a “excitar os sentidos” da donzela cândida e pura. As    lições de amor da mucama eram inspiradas “pelo sensualismo brutal, em que se resume    todo o amor nos escravos”; portanto, “a mucama escrava ao pé da menina e da donzela    é o charco posto em comunicação com a fonte límpida”.
Com a mucama escrava infiltrada no quarto da donzela, foi possível a um conquistador  barato, um francês estróina e ladrão, insinuar-se aos amores de Cândida, conquistá-la  efetivamente e tirar-lhe o maior símbolo da honestidade feminina. Lucinda, criatura  ruim como nunca se viu mesmo em folhetins televisivos hodiernos de horário nobre,  tornara-se ela mesma amante de Souvanel, tramara tudo com ele, e até abrira o  quarto da virgem para a consumação do delito. A idéia dos biltres era forçar o  casamento de Souvanel com Cândida; dado o golpe do baú, Lucinda ganharia a liberdade  e ficaria teúda e manteúda do francês. No final, Frederico, criatura virtuosa  como nunca se viu mesmo em folhetins televisivos hodiernos de horário nobre, filho  do padrinho de Cândida, apaixonado por ela desde menino, perdoa o erro da amada  e casa com ela. Descobrira-se que Souvanel era na verdade Dermany, criminoso procurado  na França. O vilão é preso e deportado. Lucinda e o pajem do pai de Cândida, também  envolvido na trama para aproximar Souvanel da donzela, fogem dos senhores, são  capturados, mas acabam abandonados ao poder público pela família. Frederico, o  anjo, fecha o romance e o nosso martírio com um discurso abolicionista que aqui  transcrevo, para martirizar o leitor, ou ao menos para dividir com ele o meu sofrimento.  O discurso aparece nas páginas 388 e 389 do segundo volume de As vítimas-algozes  (o primeiro volume, com outras duas histórias). Referindo-se a Lucinda e ao pajem,  “esses dous traidores e perversos”, Frederico disse:
- Árvore da escravidão deram seus frutos. Quem pede ao charco água pura, saúde    à peste, vida ao veneno que mata, moralidade à depravação, é louco. Dizeis que    com os escravos, e pelo seu trabalho vos enriqueceis: que seja assim; mas em    primeiro lugar donde tirais o direito da opressão? ...em face de que Deus vos    direis senhores de homens, que são homens como vós, e de que vos intitulais    donos, senhores, árbitros absolutos? ... e depois com esses escravos ao pé de    vós, em torno de vós, com esses miseráveis degradados pela condição violentada,    engolfados nos vícios mais torpes, materializados, corruptos, apodrecidos na    escravidão, pestíferos pelo viver no pantanal [“patanal”, no original] da peste    e tão vis tão perigosos postos em contato convosco, com vossas esposas, com    vossas filhas, que podereis esperar desses escravos, do seu contato obrigado,    da sua influência fatal? ...Oh! bani a escravidão!... a escravidão é um crime    da sociedade escravagista, e a escravidão se vinga desmoralizando, envenenando    [“evenenando”, no original], desonrando, empestando, assassinando seus opressores.    Oh! ...bani a escravidão! bani a escravidão! bani a escravidão!....
Nota: Ainda que Macedo atribua os defeitos morais de Lucinda e seus pares à instituição  da escravidão, a sua descrição dos cativos é tão impiedosamente desfavorável que  torna-se difícil pensar na possibilidade de que essas pessoas, uma vez libertas,  possam usufruir de direitos de cidadania e participar da vida política. De fato,  uma característica intrigante de vários pronunciamentos favoráveis à lei de 1871  era a descrição dos escravos como seres quase destituídos de humanidade, pois  a violência da instituição os desprovia de cultura, de regras de comportamento;  por conseguinte, não desenvolviam laços de família, relacionavam-se sexualmente  como animais, atacavam os senhores como bestas feras. Enfim, pareciam condenados  a uma espécie de coisificação moral, resultado direto de sua condição de propriedade,  de sua representação como coisa no direito positivo.Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/a/as_vitimas_algozes_quadros_da_escravidao
0 comentários:
Postar um comentário
Participe! Deixe aqui o seu comentário e façamos uma estrada literária juntos!