sábado, 11 de abril de 2009

Leitura - Bagagem- Adélia Prado


(imagem: Colheita de Maçãs, 1890 - Carl Larsson)

Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.

Neste poema, Adélia mistura saudade, tristeza e alegria, ao conectar passado e presente em suas memórias de família. O ser e estar no mundo conotam sensações, sabores, ações, olhares e toques que celebram a vida. A tristeza pelos tempos ídos é amortecida pela certeza de que tudo permanece e nada morre; de que a vida se recria e reinventa a cada ciclo que se encerra.

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